segunda-feira, 17 de novembro de 2008

1º dia - Lilia Schwarcz: "O preconceito do brasileiro é o de ter preconceito"

Fotos: Mari Azoli

Você é preconceituoso? 98% dos brasileiros entrevistados em uma pesquisa de Lilia Schwarcz afirmam que não. Você conhece alguém preconceituoso? 99% dos mesmos entrevistados afirmaram que sim. O que isso significa? Segundo Lilia, a conclusão é que o brasileiro se considera "uma ilha de democracia racial cercada por racismo de todos os lados".

Na seqüência da mesa de discussão "O negro nas Artes Plásticas", depois de Samuel Santiago, a professora de antropologia da FFLCH-USP expõe, de forma brilhante em apenas 30 minutos, como o negro foi retratado através da pintura desde o descobrimento do Brasil até a década de 30. Além disso, explica também a relação da representação do negro com o preconceito que existe no Brasil (ainda que ninguém admita seu preconceito) e mostra como o negro produtor de artes plásticas teve uma atuação pontual nos primeiros séculos de nossa história.


A respeito da segmentação e da etiqueta "artista negro", Lilia comenta que o artista branco é chamado apenas de artista, enquanto o negro é chamado pelo adjetivo: sempre artista negro. Ela explica ainda que essa discussão a respeito do negro não se trata de só vitimizá-lo, mas que a vitimização também é importante; afinal, o Brasil foi o último país da América a libertar os negros e, apenas um ano depois disso, o Hino da República já dizia " Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre País...", como se a escravidão fizesse parte de um passado remoto, outrora.

O Brasil, na pintura, sempre foi definido pela sua natureza idealizada e pelos seus naturais, seus habitantes. No século XVI, os nativos eram homens "sem fé, nem lei, nem rei", o que mostra a tendência dos europeus de definir a cultura alheia pela carência de certos aspectos. Trata-se, ainda, da idéia do espelho invertido, de mostrar o outro de forma diferenciada do europeu, como que dizendo "eles são o que eu jamais serei". Nesse sentido de oposição, Lilia comenta a ótima declaração de Montaigne sobre o povo descoberto, pondo em dúvida a noção de certo e errado do europeu: "Ou os americanos são bárbaros, ou nós o somos".

Já nos séculos XVII e XVIII, uma imagem positiva da América começa a ser representada: é a vez da exotização do lugar e de seus habitantes. Aqui, os negros já não são mais demonizados - como eram no século XV - mas agora fazem parte da cena apenas trabalhando.

No século XIX, chegam ao Brasil muitos artistas estrangeiros que passam a retratar o nosso cotidiano. Lilia aponta que, nas pinturas de Debret em que ele retrata negros e brancos juntos, é possível observar perfeitamente a hierarquia da sociedade da época.

Já nas obras de Taunay, ela observa que os negros são detalhes no quadro e causam ruído à paisagem idealizada.




Como o movimento romântico desse mesmo século, o índio entra com força nas representações artísticas, os brancos continuam e os negros desaparecem. As fotografias são a exceção, mas são proibidas no Segundo Reinado. Nas fotos, os negros (escravos, porque estavam descalços) continuam sendo retratados como objeto exóticos.

A abolição é abordada pela pintura como uma dávida, um presente dos brancos para os negros, em vez de uma conquista. Os pintores negros da época não retratam sua sociedade; optam por naturezas mortes e alguns retratos ocidentalizados.

No século XX, surgem a idéia do branqueamento, a representação do mestiço e do sertanejo e o modernismo - que, Lilia ressalva, mesmo sendo de vanguarda, continua representando o negro como objeto, agora em primeiro plano.

Após uma viagem no tempo das artes plásticas, Lilia finaliza: "Não há como encontrar uma representação do negro. Ora ele é exótico, ora é vitimizado, ora é idealizado, mas não existe o seu lugar; ele nunca é sujeito de sua ação".

Um comentário:

Alex Castro disse...

Sensacional essa conclusao da Lilia. Vou usar num post meu. Estou fazendo uma série de posts sobre racismo no meu blog. As discussões estão interessantes, já tem alguns posts com mais de 150 comentários. Se quiserem dar uma olhada e me ajudar a divulgar, agradeço: http://www.interney.net/blogs/lll?cat=2280

Abraços,
Alex Castro